Olhar, ouvir e registrar: compondo um mosaico das juventudes brasileiras

Agora que já tratamos do curso, da sua estrutura, organização, das atividades e forma de avaliação, vamos apresentar a metodologia de trabalho adotado no curso. A compreensão dessa metodologia será fundamental para o pleno desenvolvimento do curso de formação, pois estará presente em todos os módulos do curso, costurando os diferentes temas, atividades e o processo avaliativo. 

Este “modo de fazer” o curso, ou seja, a metodologia proposta vai ajudar cada cursista a construir uma compreensão da escola, do ensino médio, sua concepção e objetivos e, obviamente dos jovens alunos, que são o tema fundamental desta formação. Através da metodologia do “Olhar, Ouvir e Registrar” os cursistas são instigados a realizar o curso de uma forma mais investigativa. Ou seja, ao invés de esperar que alguém repasse uma série de informações e conhecimentos prontos sobre a temática em questão, neste caso, a juventude brasileira e o ensino médio, os cursistas são co-autores deste curso: são convidados a pesquisar, investigar, compartilhar informações de seu contexto, região e escola, ao mesmo tempo em que podem conhecer as juventudes de outros contextos, de diferentes escolas e regiões do Brasil. Utilizando esta metodologia o cursista descobre um modo de "desnaturalizar" o olhar sobre o próprio fazer pedagógico, sobre a escola e sobre os jovens que nela estudam.

A metodologia do curso se organiza em três momentos investigativos, que serão explicados a seguir.

 

O olhar

É a etapa inicial do processo de conhecimento e será desenvolvido nos diferentes módulos a partir das atividades de observação.

Mas, o que é Observar? E como Observar? Observar é olhar atentamente, examinar com minúcia, espreitar, espiar, estudar um determinado objeto; fenômeno ou cena/cenário. O ato de observar não é um ato neutro, ingênuo, totalmente subjetivo ou intuitivo. O ato de observar é impregnado de intermediações de várias ordens. Quando olhamos um objeto, uma cena ou fenômeno, imediatamente acionamos informações (conhecimentos teóricos ou práticos, sentimentos e sensações) que permitam nos familiarizar com o observado para conhecê-lo e compreendê-lo.

Pode até parecer fácil, mas o ato de observar é bem complexo. Observar é contar, descrever os fatos cotidianos de um jeito que as pessoas compreendam onde, como e porque aquilo está acontecendo. Vocês já ouviram uma narrativa de jogo pelo rádio? Pois é, um bom narrador não fica preocupado só com o gol, mas ele tenta explicar o que fez com que se chegasse ao gol. Então, todas as cenas são importantes, pois elas têm um encadeamento, uma seqüência que leva um jogador a fazer o gol. Mas se o narrador é bom, a gente percebe que o gol foi feito por todos os que participaram da cena.

Então, é mais ou menos assim: Observar é contar ou descrever uma cena de tal forma que quem não esteve naquele lugar, não presenciou a cena, conseguirá entender tudo, até mesmo o significado do que aconteceu.

Mas para contar bem uma cena, um fato, precisamos tomar certo cuidado. Os nossos olhos tendem a enxergar o que nós queremos ver e não aquilo que é para ser visto. Ou seja, nosso olhar tem filtros, que são nossos valores, nosso jeito de encarar o mundo, nosso modo de pensar [...] Isso se chama refração.

Dessa forma, para enxergar a realidade da escola ou dos nossos jovens alunos ou mesmo os significados que eles atribuem ao cotidiano escolar, precisamos primeiro identificar os possíveis filtros e compreender como estes interferem no nosso Olhar e, após esta primeira mirada, voltar a Olhar novamente, lançar um novo Olhar, buscando:

a) Desnaturalizar o cotidiano escolar, suas vivências neste espaço tão familiar e por isto mesmo tão naturalizado e assim;

b) Estranhar o que nos é tão familiar, ou seja, colocar em suspenso nossos pontos de vistas e crenças sobre a escola, sobre a condição docente e sobre os jovens alunos, para depois:

c) Enxergar a escola, seu entorno e os jovens alunos, com os olhos de quem chega pela primeira vez. Como um “estrangeiro”, buscando compreender os/as jovens estudantes, suas práticas culturais, seus hábitos e valores, visões de mundo, etc.

Mas somente o Olhar não será suficiente para o processo de construção de conhecimento sobre a escola, o ensino médio e os jovens alunos. Precisamos nos valer, também, de outro recurso de obtenção dos dados:

 

O ouvir

Assim como acontece com o Olhar, também o Ouvir possui uma significação específica para um pesquisador. O Ouvir complementa o Olhar, na medida em que lhe permite voltar à realidade escolar e tentar perceber se o que nós observamos, ou o que interpretamos durante a observação, é ou não compartilhado pelos outros sujeitos da escola. O Ouvir permite confrontar nosso ponto de vista com o dos outros sujeitos e construir uma leitura ou interpretação mais complexa das cenas ou situações observadas. Por este procedimento, teremos condições de compreender as relações sociais dentro da sua escola, do seu entorno, as transformações pelas quais passam a escola, a docência e a condição dos jovens alunos que ali freqüentam. 

O objetivo principal do ouvir é obter as “explicações” dadas pelos próprios sujeitos pesquisados e membros da “comunidade pesquisada”, no caso a escola. Tais explicações “nativas” podem ser obtidas por meio de entrevistas e questionários, proporcionando um Ouvir todo especial. Mas, para isso, há que saber ouvir! Ou seja, para ouvir bem, é necessário.

 

REFERÊNCIAS

CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Olhar, Ouvir e Escrever. In: Aula Inaugural. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas: Universidade Estadual de Campinas, 1994.

PERRENOUD, Fhilippe. O papel de uma iniciação à investigação na formação de base dos professores. Práticas Pedagógicas, Profissão Docente e Formação – perspectivas sociológicas. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1993.

ROCHA, Everardo. O que é Etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 2003, p. 83.