Bem vind@ ao Curso de Atualização EJA e Juventude Viva - JUVIVA

Neste módulo, vamos conversar sobre a metodologia que orientará todo o nosso trabalho e sobre a metáfora do mosaico de juventudes. Ao final desta primeira etapa, esperamos que esteja pronta/o para iniciar a sua exploração do universo juvenil, buscando compreender as questões que perpassam a condição do jovem, destacando a dimensão do pertencimento étnico-racial.

Acreditamos que esta formação, além de fornecer uma contribuição metodológica para um trabalho emancipatório da/na escola, rompe com o silenciamento sobre o racismo presente na sociedade brasileira e sobre como a violência tem afetado sobretudo os jovens negros no nosso país. Silêncio este que é cúmplice na manutenção das desigualdades raciais e sociais e nos processos de inferiorização que elas engendram. Ao promover um aprofundamento na discussão sobre os diversos aspectos da violência presentes na vida dos/as jovens, este curso visa contribuir para a reflexão sobre a situação a que estão expostos, em especial a juventude negra, moradora de periferias e favelas.

Você deve está se perguntando: mas por que é importante para nós professores da EJA discutir juventude negra e prevenção à violência? Por que um curso de formação de professores tratando especificamente desse tema? O que nós professores de EJA temos a ver com a violência contra a juventude negra?

Para nos ajudar a responder a essas indagações, gostaríamos que, antes de entrarmos de fato no curso, vocês assistissem ao vídeo "Diz Aí - Enfrentamento ao Extermínio da Juventude Negra" do Canal Futura:

Então, gostaram do vídeo? O que esses jovens dizem faz sentido? Você já se pegou pensando sobre essas questões? Reparou no que uma das jovens do vídeo diz sobre a escola? O que você acha dessa afirmação? Queremos convidar você, professor/professora, a refletir sobre o que ela diz. Refletir sobre as questões que afetam a juventude negra no Brasil, sobretudo em algumas cidades, e quais os reflexos disso dentro da escola. Responder a essas questões, que têm levado esse grupo a figurar entre as maiores vítimas de violência letal, é o grande desafio a que nos propomos nesse curso.

Nesse sentido, acreditamos que é importante pensarmos estratégias individuais e coletivas de enfrentamento das violências que afetam esses sujeitos, através da articulação de uma intervenção em rede, com foco no território. Esperamos que você, cursista, aprecie a experiência dos questionamentos aqui apresentados, que se entregue à aventura de conhecer a realidade da condição juvenil na sua comunidade e que aceite o desafio de compor o seu próprio mosaico juvenil.

Atenção!

Este é o primeiro módulo do curso de atualização “JUVIVA”. Fique atenta/o, pois é este o módulo-base da proposta do curso que você está iniciando. A compreensão da nossa metodologia de trabalho será fundamental para o pleno desenvolvimento de sua formação, pois ela estará presente, permeando todos os módulos do curso, costurando os diferentes temas, as atividades e o processo avaliativo. Volte a este módulo sempre que tiver qualquer dúvida ou quando for solicitado!

O Curso de Atualização EJA e Juventude Viva (JUVIVA) foi desenvolvido e será executado pela equipe do Observatório da Juventude da UFMG, um programa de ensino, pesquisa e extensão da Faculdade de Educação da UFMG. Esse programa vem realizando, nos últimos dez anos, atividades de investigação, sistematização e disseminação de conhecimento sobre a juventude, bem como promovendo atividades de formação de jovens e de professores que trabalham com a juventude em âmbito local e nacional. O programa situa-se no contexto das políticas de ações afirmativas dentro da universidade, orientando-se por quatro eixos centrais que delimitam sua ação institucional: a condição juvenil; as políticas públicas e as ações sociais para a juventude; as práticas culturais e as ações coletivas da juventude; e a construção de metodologias de trabalho educativo com jovens.

Nesse contexto, este curso constitui uma ação importante para nós do Observatório da Juventude e tem como propósito promover com professores de EJA um debate inicial sobre a situação de violência a que estão expostos alguns segmentos juvenis da sociedade brasileira, nomeadamente a juventude negra. O curso JUVIVA abordará esse grupo, buscando contextualizar e problematizar os mecanismos que operam historicamente na nossa sociedade levando à exclusão, à violência e a altos índices de homicídios entre jovens negros.

A quem se destina o curso? O que propõe?

O JUVIVA é um curso de atualização destinado a professoras/es que atuam na modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos) em escolas públicas localizadas nos  municípios do Plano Juventude Viva (PJV). O Plano é uma iniciativa do governo federal, coordenado pela Secretaria Nacional de Juventude, pela Secretaria-Geral da Presidência da República e pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e tem como objetivo promover ações de prevenção à violência letal em territórios onde a juventude enfrenta maiores situações de vulnerabilidade.

Saiba mais:

Para conhecer melhor o Plano Juventude Viva (PJV), recomendamos que você navegue pelo Site do Plano e que assista ao vídeo institucional:

O curso JUVIVA é uma iniciativa da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) que tem como objetivo desenvolver um processo formativo com professores da modalidade EJA que atuam em cidades do PJV, com vistas a sensibilizar os professores para as questões que afetam em especial a juventude negra e problematizar o papel da escola no enfrentamento à violência letal contra a juventude. Busca-se ainda discutir possibilidades de atuação da escola na composição de uma rede mais ampla de sujeitos e instituições envolvidos no enfrentamento dessas questões. Nesse contexto, o curso constitui também uma possibilidade de compartilhar instrumentos e recursos para implementação da Lei 10.639/2003 que torna obrigatório o ensino sobre a história e a cultura do povo negro em África e na diáspora. O curso será executado na modalidade a distância e terá uma carga-horária total de 180 horas-aula, distribuídas em oito módulos de 170 horas-aula e um encontro presencial de 10 horas aula, no início do percurso formativo. O curso será desenvolvido no formato modular, conforme a ilustração do percurso curricular apresentado no item abaixo.

Percurso formativo

O currículo do curso está estruturado em seis módulos, sendo cinco deles (os módulos I, II, III, IV, e VI) com temáticas básicas, comuns e obrigatórias a todas/os as/os cursistas, e um módulo guarda-chuva (V), com cinco temáticas variadas, em que cada cursista poderá escolher quantos temas quiser, de acordo com as demandas mais específicas da sua comunidade escolar.

Nessa configuração, os módulos obrigatórios iniciais (I a IV) tratarão de conteúdos imprescindíveis à compreensão do contexto em que estão vivendo os jovens nas regiões afetadas por altos índices de violência letal contra a juventude, em especial a juventude negra, fomentando um exercício de reflexão acerca da situação de exclusão e violência a que estão expostos esses sujeitos. O objetivo desse núcleo básico do percurso formativo é discutir temas e conceitos relevantes e centrais para a compreensão do fenômeno que estamos nos propondo a problematizar e pensar em possibilidades de desconstrução da cultura da violência no contexto do racismo brasileiro.

O módulo guarda-chuva (V) tratará de temas específicos relativos à juventude e a possibilidades de intervenção educativa com jovens. Nesse momento do percurso formativo, cada professor/a pode diversificar seu currículo, optando por estudar os temas que julgue mais apropriados ao entendimento do seu contexto e dos sujeitos com os quais trabalha. O objetivo desse módulo é apresentar e discutir temas que possam contribuir na construção de práticas pedagógicas emancipatórias para a juventude, em uma dimensão que se pretende mais propositiva. Ou seja, para além de problematizar o contexto em que os sujeitos estão inseridos, a partir das temáticas básicas referentes às questões raciais e à violência contra a juventude negra, o curso discutirá possibilidades de atuação docente no enfrentamento à situação de violência e exclusão juvenil, na perspectiva da superação dessa situação. Nesse sentido, é muito importante que os conceitos discutidos nos módulos básicos tenham sido apropriados por vocês, professoras/es, pois eles constituem uma base essencial para  o estudo das temáticas específicas do módulo guarda-chuva. Isso significa que o curso tem uma sequência lógica e que a segunda parte, dos módulos optativos, exige um estudo atento da primeira. Nessa mesma lógica, a parte final do curso traz mais um módulo obrigatório e também interdependente dos demais.

Assim, o curso se encerra com um módulo obrigatório final (VI), também comum a todos os cursistas, em que discutiremos o papel da escola na rede de enfrentamento à violência letal contra a juventude, apresentando e discutindo o que chamamos de uma metodologia de trabalho educativo em rede no enfrentamento comunitário da violência em suas múltiplas expressões. O quadro a seguir apresenta a estrutura curricular do curso:

MÓDULOS NOMES DOS MÓDULOS
OBRIGATÓRIOS 1.1 INTRODUÇÃO AO MOODLE
1.2 APRESENTAÇÃO DO CURSO E METODOLOGIA
2 JUVENTUDE(S), ESCOLA E POLÍTICAS PÚBLICAS
3 JUVENTUDES E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
4 JUVENTUDE NEGRA: articulações entre racismo e violência.
ESCOLHA INDIVIDUAL 5.1 JUVENTUDES, SEXUALIDADES, RELAÇÕES RACIAIS E DE GÊNERO
5.2 TERRITÓRIOS E CULTURAS JUVENIS
5.3 JUVENTUDES, PROJETOS DE VIDA E A RELAÇÃO COM O TRABALHO
5.4 JUVENTUDE NEGRA: formas de participação e luta contra o racismo
5.5 JUVENTUDE, DROGAS E RACISMO: redução de danos e enfrentamento ao genocídio da juventude negra
OBRIGATÓRIO 6 EDUCAÇÃO EM REDE: a escola e as redes de políticas sociais e de enfrentamento ao racismo

Temos consciência de que trataremos aqui de temas complexos e sabemos que um curso de atualização não abarca todas as questões com a profundidade de que gostaríamos ou do modo como deveríamos. Esse é um limite que teremos que enfrentar. Todavia, nos move o desejo e a confiança de que, uma vez introduzido/a ao tema, vocês professoras/es sejam capazes de ir além do curso, de continuar aprofundando seus conhecimentos, seja por meio do nosso material complementar, seja através de outras ações no seu município ou na sua comunidade escolar que possam auxiliá-los a sanar as questões e as lacunas que porventura persistam ao final do nosso processo formativo. Acreditamos que a escola tem um papel central no combate a toda e qualquer forma de discriminação e violência e, para isso, é importante que as professoras e professores recebam formação inicial e continuada, mas que também busquem formação ao longo da vida para melhor conhecer seus sujeitos, suas demandas, suas especificidades, sua realidade.

A metodologia “ver, ouvir e registrar” é uma metodologia de formação docente utilizada pelo Observatório da Juventude, que visa construir um caminho teórico-metodológico em que você, cursista, se perceba como agente e sujeito do processo formativo. Por essa metodologia, espera-se propiciar caminhos e estratégias para que você posicione-se criticamente durante todo o nosso percurso formativo, interagindo com o seu campo de trabalho e atuação e, principalmente, dialogando com os sujeitos que nele se inserem.

Trata-se de uma proposta de metodologia interativa em que cada um de vocês, cursistas, seguem estabelecendo o seu percurso formativo e, nele, construindo um conhecimento sistemático, denso e contextualizado. Não é apenas uma perspectiva de transmissão de conhecimento teórico e/ou acadêmico. Trata-se da busca por uma construção individual e coletiva de conhecimentos significativos sobre o tema central do curso: o enfrentamento à violência letal contra a juventude negra.

Essa metodologia possibilita que você construa uma compreensão sobre a realidade educativa em que você atua e, principalmente, sobre a diversidade cultural juvenil, compreendendo os/as jovens alunos/as e seus distintos contextos étnico-raciais e socioculturais. Por essa perspectiva formativa, busca-se instrumentalizar vocês, professoras/es, para que possam identificar os aspectos e as questões que perpassam a condição juvenil e estudantil; mapear e compreender as vivências, as experiências e as relações de sociabilidades dos/as jovens alunos/as na escola e em outros espaços por onde transitam, na busca por um lugar e um projeto de vida para si no mundo social. Espera-se que esse conhecimento permita a você construir novas formas de relacionar-se com esses jovens e desenvolver novas metodologias de trabalho e formas de ensino-aprendizagem mais significativas.    

Utilizando a metodologia do “ver, ouvir, registrar”, vocês vão descobrindo um modo de "desnaturalizar" o olhar sobre os sujeitos da sua prática, o seu próprio fazer pedagógico, os modos como pensam a educação e como compreendem o currículo, os saberes e conhecimentos necessários à formação dos estudantes jovens. Por esse caminho, vocês construirão um conhecimento sobre a sua comunidade e sobre a condição juvenil dos estudantes, com especial atenção às relações raciais presentes no universo escolar e fora dele.

Os textos, os materiais complementares e as atividades serão de grande ajuda para você refletir sobre sua própria prática e suas vivências no cotidiano escolar.  Por intermédio desse exercício de “distanciamento disciplinado”, vamos construir coletivamente um conhecimento sistematizado sobre as vivências e as práticas cotidianas nas escolas e sobre os sujeitos que nela convivem. Esperamos também que essa perspectiva formativa contribua para a construção de práticas, experiências e relações significativas na escola em que vocês atuam e para os jovens que nela estudam, problematizando a condição juvenil, as relações raciais, as questões de gênero e as questões que afetam a juventude no seu contexto de vida e trabalho.

Por intermédio da metodologia “ver, Ouvir e Registrar”, convidamos vocês a realizarem o curso de uma forma mais investigativa. Ou seja, ao invés de esperar que alguém repasse uma série de informações e conhecimentos prontos sobre a temática em questão, vocês serão coautoras/es deste curso. “Mas como farei isso neste curso?” - vocês devem estar se perguntando. Vocês serão convidados a pesquisar, investigar e compartilhar informações do seu contexto, do seu território e da sua escola.

Como já dissemos anteriormente, o Plano Juventude Viva está sendo implantado em territórios com altos índices de violência contra a juventude, em especial a juventude negra.  Nesse sentido, a metodologia proposta visa instigar o seu olhar para as questões que têm contribuído, historicamente, para a consolidação desse quadro de discriminação e violência que tem vitimado a juventude negra do nosso país.

Assim, por esta metodologia, você será desafiado a conduzir seu percurso formativo de modo a produzir conhecimento junto com seus colegas cursistas, com seus educadoras/es e tutoras/es, que auxiliarão você durante todo o curso, e com a comunidade em que você atua. A metodologia do curso se organiza em três momentos que serão explicados a seguir.

O Ver

É a etapa inicial do processo de conhecimento e será desenvolvido nos diferentes módulos a partir das atividades de observação.

Mas o que é Observar? E como Observar?

Observar é olhar atentamente, examinar com minúcia, espreitar, espiar, estudar um determinado objeto, fenômeno ou cena/cenário. O ato de observar não é um ato neutro, ingênuo, totalmente subjetivo ou intuitivo. O ato de observar é impregnado de intermediações de várias ordens. Quando olhamos uma pessoa, um objeto, uma cena ou um fenômeno, imediatamente acionamos informações (conhecimentos teóricos ou práticos, sentimentos e sensações) que permitem que nos familiarizemosar com o observado para conhecê-lo e compreendê-lo.

Pode até parecer fácil, mas o ato de observar é bem complexo. Observar é contar, descrever os fatos cotidianos de um jeito que as pessoas compreendam onde, como e por que aquilo está acontecendo. Vocês já ouviram uma narrativa de jogo pelo rádio? Pois é, um bom narrador não fica preocupado só com o gol, ele tenta explicar o que fez com que se chegasse ao gol. Então, os detalhes de todas as cenas são importantes, pois elas têm um encadeamento, uma sequência que leva um jogador a fazer o gol. Mas, se o narrador é bom, a gente entende que o gol foi feito por todos os que participaram da cena.

Então, é mais ou menos assim. Neste momento investigativo, você precisa contar ou descrever de modo que apresentem as informações necessárias a quem não esteve naquele lugar, não conheceu os sujeitos com quem você se relaciona, não conhece os temas e questões/problemas que você pretende analisar e compreender. Ao descrever sua observação, você o fará de modo que qualquer pessoa consiga apreender os sentidos e significados atribuídos pelos jovens alunos/as às questões que afetam a condição juvenil no seu território.

Mas, para contar bem uma cena, um fato, você precisa tomar cuidado. Os nossos olhos tendem a enxergar o que nós queremos ver e não aquilo que é para ser visto. Ou seja, nosso olhar tem filtros, que são nossos valores, nosso jeito de encarar o mundo, nosso modo de pensar, de relacionar e de conceber as relações, principalmente quando se tratam de relações e pertencimentos raciais que marcam nossas experiências e, consequentemente, nosso olhar. Isso se chama refração.

Assim, para compreender quais são as expectativas dos jovens com relação à educação, à escola, ao trabalho e a outras dimensões significativas na construção dos seus projetos de vida, precisamos primeiro identificar os possíveis filtros com os quais os estamos olhando e compreender como estes interferem no nosso olhar sobre esses sujeitos. Após essa primeira mirada, voltar a olhar novamente, lançar um novo olhar, buscando:

  • Desnaturalizar o cotidiano escolar, suas vivências nesse espaço tão familiar e por isso mesmo tão naturalizado, e assim:
  • Estranhar o que nos é tão familiar, ou seja, colocar em suspenso seus pontos de vistas e crenças sobre a escola, sobre a condição docente e sobre os/as jovens alunos/as negros/as e sua condição social e racial, para depois:
  • Enxergar a escola, seu entorno e os jovens alunos e alunas, com os olhos de quem chega pela primeira vez, como um “estrangeiro”, buscando compreender os/as jovens estudantes, suas práticas culturais, seus hábitos, valores, visões de mundo etc.

Neste curso, especificamente, devemos focar a juventude negra, mapeando e identificando os aspectos constituintes da violência com que convivem e muitas vezes são vítimas. E, principalmente, tentar identificar caminhos, estratégias para o enfrentamento dessas questões no contexto escolar e não escolar.

Tomando esses cuidados, podemos enxergar a realidade da escola e do seu entorno,  dos nossos jovens alunos/as negros/as, conhecer de perto quais são seus projetos de vida, de futuro e o que consideram importante e necessário na construção desses projetos.

Mas somente o olhar não será suficiente para seu processo de construção de conhecimento sobre a escola, os/as jovens alunos/as negros/as e não negros/as e as relações étnico-raciais que se tecem nos diversos contextos socioculturais. Você precisará se valer, também, de um outro recurso de obtenção dos dados: o OUVIR.

O Ouvir

Assim como acontece com o olhar, também o ouvir possui uma significação específica para um pesquisador. O ouvir complementa o olhar, na medida em que lhe permite voltar à realidade escolar e tentar perceber se o que observou, se o que interpretou durante a observação, é ou não compartilhado pelos outros sujeitos da escola. O ouvir permite confrontar seu ponto de vista com o dos outros sujeitos e construir uma leitura ou interpretação mais complexa das cenas ou das situações observadas. Por esse procedimento, você terá condições de compreender as relações sociais e étnico-raciais dentro da sua escola, do seu entorno, as transformações pelas quais passam a escola, a docência e a condição dos jovens alunos que ali frequentam.

O objetivo principal do ouvir é obter as “explicações” dadas pelos próprios sujeitos pesquisados e membros da comunidade pesquisada. Tais explicações “nativas” podem ser obtidas por meio de entrevistas e questionários, proporcionando um ouvir todo especial. Mas, para isso, é preciso saber ouvir!

Neste aspecto, será fundamental evitar atribuir aoss jovens estudantes negros e negras, das periferias urbanas, do campo ou das áreas rurais, os discursos veiculados pela mídia, discursos esses muitas vezes reificadores de conceitos e visões cingidas por preconceitos e marcados pela dificuldade (não aprendizagem ou falta de prática) de dialogar com a alteridade, com as diferenças sociais, étnico-raciais, entre outras.  O “ouvir etnográfico” é mais amplo e ao mesmo tempo mais sensível e profundo do que o “escutar que praticamos cotidianamente”. Para alcançar o ouvir etnográfico, é preciso calma, atenção! Esse ouvir exige aprendizagem da “escuta profunda”, demandando às vezes um exercício repetitivo: ouvir uma, duas.... quantas vezes for necessário, até que cesse em nosso ouvido a nossa própria voz e as vozes já familiares, para que a voz, as palavras, os sons ( às vezes respiros, gemidos) do outro sejam realmente alcançados.

No quadro abaixo, colocamos algumas dicas importantes para essa sua “escuta”:

  1. Durante o curso, nos próximos módulos, você vai realizar atividades, tais como entrevistas e questionários, que possibilitarão pôr em prática, exercitar, a capacidade de ouvir.
  2. Além de realizar as entrevistas, você poderá solicitar que os jovens alunos, professores e/ou funcionários se entrevistem livremente. Você poderá também ouvir funcionários e familiares da escola ou pessoas da comunidade. Apostamos que todos eles/as têm muito a dizer e podemos nos surpreender com o que vamos escutar.
  3. Nas atividades do ouvir, podem ser utilizados recursos audiovisuais (gravação, filmagem etc.) disponíveis, pois esses ampliam a capacidade de “escuta” e auxiliam no registro das falas e na compreensão dos contextos observados.

A Terceira etapa: O Registrar

Propomos que o registro, nesta formação, seja feito em duas etapas ou de dois modos: a) Registrar “estando lá”: ou seja, anotando, descrevendo no caderno de campo (ou fotografando, filmando, gravando em áudio ou desenhando) o que observa ou no momento em que aplica questionários ou realiza entrevistas. Nessa primeira escrita, com uma forma mais direta (às vezes rabiscos), anotamos as ideias que vêm à mente, em “estado bruto”.  Importante: nessa etapa, podemos utilizar todos os recursos e linguagens disponíveis e acessíveis para registrar o que observamos.

b) Registro final: registrar de modo mais elaborado, já mais distanciado do trabalho empírico, revendo as anotações, os questionários, as entrevistas, as fotos, as filmagens, enfim, tudo que se “colheu” durante a formação e a pesquisa e, enfim, elaborar um portfólio. Esse registro final carrega toda a gama de reflexões, leituras e debates ocorridos durante o curso de formação que possibilitará construir uma interpretação ao mesmo tempo pessoal e coletiva das cenas e dos cenários observados.

Assim, reforçamos que é importante não somente observar e ouvir, mas, também, registrar o que se observou e o que se ouviu! O Registro é uma continuidade do encontro entre pesquisador e pesquisado e, por conseguinte, uma continuidade do Olhar e do Ouvir. O registro é material básico para a análise posterior e a sequência do trabalho de observação (olhar e ouvir).

Arremate (Glossário)

Etnocentrismo
Visão de mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência. No plano intelectual, pode ser visto como dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade etc.

Alteridade
Capacidade de conviver com o diferente, de se proporcionar um olhar interior a partir das diferenças. Significa que eu reconheço “o outro” também como sujeito de iguais direitos.

Convidamos você a compor um mosaico das juventudes que estudam na escola em que você trabalha!

Mas porque fazer um mosaico?

Porque fazer mosaico é uma técnica muito simples, que não tem regras prévias, mas requer uma boa dose de paciência, criatividade e imaginação. Por isso estamos utilizando a ideia do MOSAICO como a metáfora do nosso curso.

O mosaico é uma base revestida, sem forma prévia e, portanto, sem um resultado único, e pode ser construído a partir de vários materiais sólidos: cerâmica, vidro, pedra, cristal, porcelana... Durante a construção tudo é novo, mas ideias novas vão surgindo ao longo do processo, coisas vão mudando. Assim como seu conhecimento/aprendizado neste curso, nem tudo será novo, mas à medida que dialogar com outros/as professores/as você irá (re)construindo ou (re)compondo suas expectativas,estereótipos, conceitos, enfim... você terá uma “nova” imagem das juventudes que se constituem na sua escola, na sua cidade.

Neste sentido, vamos utilizar a bonita e apropriada metáfora do mosaico para vivenciarmos uma dupla experiência na arte de fazer mosaicos.

A primeira experiência é compor um desenho das diferentes condições de vivências juvenis. A escola, o trabalho, os espaços de lazer, as culturas juvenis, a sexualidade, as formas de engajamento e participação, os modos de apropriação do território, as sociabilidades juvenis, as relações raciais, entre outros elementos, se configuram como peças fundamentais que, a partir de distintas combinações, constroem a juventude mosaica que precisa ser compreendida em sua plural complexidade.

A segunda experiência será feita por você. Durante o curso você vai elaborar um portfólio. Este portfólio será composto de diferentes atividades de investigação do seu cotidiano escolar. Ao final do curso, seu portfólio será uma imagem da realidade juvenil que você conhece.

Utilizamos a metáfora do mosaico para estruturar o material didático do nosso curso e ficou assim:

Compondo seu mosaico

Ao utilizar a metáfora do mosaico, trabalhamos com a ideia de que este processo criativo tem 3 etapas fundamentais: a preparação, a construção e o acabamento. Na etapa de preparação, o artista constrói um suporte, uma base sobre a qual irá compor seu mosaico. Depois, começa a explorar os materiais, buscando formas, texturas, cores, dimensões. Na etapa de construção, inicia-se a seleção dos fragmentos, os agrupamentos por afinidades, os encaixes e combinações. Há ainda a possibilidade de redimensionar o olhar, de aguçar a percepção, observando mais atentamente as formas e texturas. A etapa final é o momento do acabamento. Aqui é necessário fazer um bom arremate, prestar atenção na relação forma-fundo, nas possibilidades de integrar novos elementos, para enfim, completar sua obra.

Como esta metáfora aparece na estrutura do curso?

Metáfora do mosaico Etapa do processo Tópicos
Suporte Preparação Texto-base
Explorando materiais Experiências de escolas, práticas, projetos, relatos
Compartilhando fragmentos Construção Fóruns de discussão e Base de Dados (atividades do Moodle)
Trocando ideias Fóruns livres/ Hora do cafezinho
Outras cores Para saber mais (links externos)
Observando formas e texturas Exercícios de observação e escuta
Arremates Acabamento Glossário
Compondo o mosaico Portfólio

    Suporte: texto base

O texto base se constitui nas ideias centrais sobre o tema que, em cada módulo, se iniciam sempre com uma problematização e um estímulo à reflexão. Assim como na composição do mosaico, o suporte é uma superfície que serve como base de sustentação das peças.

    Explorando materiais: relatos de experiências

Os relatos de experiências, práticas emancipatórias, projetos desenvolvidos por escolas, ONGs,  revelam os avanços, as possibilidades e os desafios do processo educativo que considere os sujeitos jovens e suas realidades.

    Compartilhando fragmentos: Fóruns de Discussão e Base de Dados (atividades do moodle)

Os Fóruns de Discussão e a Base de Dados são espaços para compartilhar, dialogar, articular, quebrar, encaixar, sintonizar... ações fundamentais na troca de ideias e experiências. No espaço do fórum, você terá a possibilidade de encontrar os mais variados materiais, texturas, cores e dimensões.

    Trocando ideias: fóruns livres/ hora do cafezinho

Este é o espaço para conversar sobre os mais variados temas. Aqui você pode conversar sobre os acontecimentos da vida pessoal, familiar, de trabalho, contar histórias engraçadas, falar sobre angústias, dúvidas existenciais. Ou seja, é o lugar do DESABAFO.

    Outras cores: para saber mais

Os vídeos, as músicas, as fotografias, filmes, outros textos e links abrem a possibilidade de ampliar o estudo do tema e aprofundar questões discutidas nos módulos.

    Observando formas e texturas: exercícios de observação e escuta

Na perspectiva de redimensionar o olhar, cada módulo traz uma proposta de pesquisa. Observações da realidade, entrevistas, questionários, enquetes, grupos de discussão são algumas das possibilidades que você terá para investigar aspectos relacionados ao cotidiano e à comunidade escolar.

    Arremate: Glossário

O glossário permite agregar à discussão dos temas, os principais conceitos e ideias trabalhados nos módulos.

    Compondo o mosaico: portfólio

Na composição de seu próprio mosaico, você terá a oportunidade de registrar  impressões, reflexões, relatos, sínteses de atividades que ao final será uma obra única, singular. Ao final do curso, você terá em seu portfólio uma imagem, um desenho final da realidade escolar e dos sujeitos jovens com os quais convive.

Enfim...

O curso foi elaborado, pensando em você professor/a da EJA, no cotidiano da sua escola e na necessidade de repensar suas práticas, seus sujeitos e os currículos. Por isto a importância de conhecer, refletir e dialogar com a realidade da sua comunidade escolar, pois é para esses sujeitos que o ensino deve ser pensado e organizado!

Car@ cursista, quando você fizer as atividades propostas em cada módulo, lembre-se do que nós conversamos: quanto mais você “estranhar” o que é familiar, ou seja, quanto melhor você observar o que acontece em sua escola, aquelas cenas que você vê todos os dias, e quanto melhor você se aproximar do seu cotidiano, mais conhecimento você estará construindo sobre a realidade da sua escola e dos jovens alunos que a frequentam.

Mas tome cuidado! É evidente que, como vocês são professoras/es desta escola que irão observar, aplicar questionários e realizar entrevistas, você precisa sempre pensar nesta nossa proposta de pesquisa, que parte do reconhecimento de que é necessário praticar o estranhamento do seu ponto de vista, de insistir na dúvida teórica sobre a sua concepção. É isso que possibilita o diálogo entre pesquisador/a e os sujeitos pesquisados. Assim, incentivamos você a manter uma postura de respeito e troca responsável e, principalmente, afastar-se de julgamentos e suposições sobre o que os/as jovens dizem. Ao contrário, procurem criar uma atmosfera de acolhimento e de receptividade ao que eles/as dizem, ao que querem (tentam) dizer, mas muitas vezes não conseguem, são silenciados ou constrangidos a não dizer, para que assim vocês possam efetivamente chegar ao ponto de vista do outro, da alteridade do/a jovem com quem está dialogando.  

Agora que você conheceu o curso e a metodologia, vá em frente. O próximo módulo irá tratar do tema “Juventude(s), escola e políticas públicas”.

Desejamos a você um ótimo trabalho!

Conheça as autoras:

Carla Linhares Maia é historiadora, doutora em Educação e professora visitante da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.

Maria Zenaide Alves é pedagoga, doutora em Educação e integrante do Observatório da Juventude da UFMG.

Referências bibliográficas:

    OLIVEIRA, Roberto Cardoso. O trabalho do antropólogo. Brasília: Paralelo 15; Sâo paulo Editora UNESP, 2000.

    GEERTZ, Clifort. A Interpretação da culturas. Rio de Janeiro, LTC, 1989.

    LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed.2001.

    MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. Rev. bras. Ci. Soc., São Paulo, v. 17, n. 49, jun. 2002 . Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092002000200002.