Car@ Cursista,

Neste módulo faremos uma discussão sobre o tema Projetos de Vida, enfatizando o aspecto do trabalho e as implicações da raça e do racismo na construção dos projetos de vida dos jovens e na inserção no mercado de trabalho. Você já parou para pensar de que forma esses temas se entrecruzam? Já refletiu sobre qual a relação entre projetos de vida, trabalho e raça/etnia? Já observou como a inserção no mercado de trabalho é diferente para pessoas negras e não negras? Já se deparou com alguma situação que te fez pensar em como as pessoas elaboram seus projetos de vida ou como às vezes parecem totalmente alheios a essa discussão? Por que será que algumas pessoas, em geral na adolescência ou na juventude, parecem não conseguir pensar em uma resposta quando indagados sobre o que quer ser quando crescer?

É! Pergunta complexa essa: “O que você quer ser quando crescer?” Quem nunca se fez essa pergunta ou foi indagado a esse respeito em algum momento da vida? Provavelmente quem a faz está se referindo à vida adulta na sua dimensão profissional, ou seja, quer saber que profissão a pessoa pretende exercer quando entrar no mercado de trabalho. A dimensão profissional é importante e tem um lugar privilegiado nesse debate, mas não é suficiente para falarmos em projetos de vida.

Os projetos de vida não podem ser tratados apenas do ponto de vista do trabalho, do emprego, da profissão, afinal, ninguém nasceu apenas para trabalhar, embora o trabalho seja um aspecto importantíssimo da vida.  Nesse sentido, quando falamos em projetos de vida, além da escolha profissional, também é preciso problematizar outras dimensões da condição humana, como as escolhas afetivas, os projetos coletivos, as orientações subjetivas da experiência, só para citar outras dimensões além do trabalho.

Pois bem, nossa intenção com este módulo é trazer alguns elementos para que você professor/professora possa refletir a noção de projetos de vida, a importância desse tema no trabalho educativo com jovens, provocando-lhe a pensar que as possibilidades para planejar e executar projetos de vida e para inserção no mercado de trabalho são inúmeras, se diferenciam de pessoa para pessoa e tem como marcadores importantes a condição social e racial. Assim, discutiremos esses dois marcadores e traremos ao longo do texto alguns exemplos que evidenciam como as especificidades dos sujeitos negros/as apresentam uma variedade de possibilidades e restrições na construção dos seus projetos de vida e na sua inserção no mercado de trabalho.

Para um melhor entendimento das questões aqui propostas, é muito importante que você professor/professora tenha se apropriado dos conceitos discutidos nos módulos básicos obrigatórios. Alguns desses como raça, etnia, desigualdade, racismo, violência... conceitos ou ideias a eles vinculados serão aqui utilizados sem necessariamente retomarmos uma discussão teórico-conceitual. Caso tenha dúvida em algum momento, volte aos módulos iniciais ou recorra aos seus formadores através dos fóruns.

Um abraço, boa leitura e bom trabalho!

Helen , Sara e Zenaide.

Para iniciar a discussão, gostaríamos de explicitar que partimos do pressuposto de que todos temos projetos, como defendem Machado (2004), Velho (2003) e Boutinet (2002). A capacidade de projetar, de planejar, de antecipar é o que diferencia as condutas humanas dos comportamentos de outros animais, de natureza instintiva. Tal capacidade é própria do humano (MACHADO, 2004), embora em alguns contextos a desumanização ocasionada pelas relações capitalistas usurpe de alguns seres humanos essa capacidade.

Com base nesses autores, utilizamos a ideia de projetos de vida para interpretar o modo como os jovens se posicionam diante da necessidade de assumirem autonomamente seus processos de construção de condutas futuras, ou seja, quando precisam dar respostas mais consistentes às indagações (da sociedade e deles próprios) relativas à entrada na vida adulta. Os projetos de vida, é bom que fique claro, diferem dos projetos de outra natureza, como os projetos arquitetônicos, os projetos de lei ou mesmo os projetos educativos. Os projetos de vida não são escritos, sistematizados formalmente, não têm cronograma de execução. Em alguns casos, não são sequer factíveis, mas sua possibilidade de realização vai se construindo e ganhando sentido para o sujeito à medida que a própria vida faz sentido. Em outros casos, observa-se ausência de sentido da vida que se manifesta na dificuldade de projetar. Ou seja, é possível encontrarmos sujeitos - que denominamos de fora de projeto - cujas condições de existência (material, afetiva, política, simbólica...) são tão precárias que a própria capacidade humana de projetar, de sonhar, fica comprometida.

Vamos pensar em um exemplo. Vocês conhecem a canção "Pedro Pedreiro", de Chico Buarque? Se não, confiram a música abaixo:

Esperando a festa, esperando a sorte, esperando a morte, esperando o Norte
Esperando o dia de esperar ninguém, esperando enfim, nada mais além
Que a esperança aflita, bendita, infinita do apito de um trem
Pedro pedreiro pedreiro esperando
Pedro pedreiro pedreiro esperando
Pedro pedreiro pedreiro esperando o trem

[ Ouça a música ]

O personagem da música, dadas as condições adversas em que vivia (nesse caso as condições econômicas e políticas), limitava-se a esperar e não projetar. “Esperando a festa, esperando a sorte, esperando a morte, esperando o Norte”.

E você, conhece casos de jovens “fora de projeto”? E que razões você aponta para esse quadro? Como a escola pode contribuir para ajudar esse jovem a encontrar um “rumo na vida”?

Mas bem, o fato é que os projetos de vida demandam, como o próprio nome sugere, planejamento e planejar implica uma postura ativa diante da vida. Observe as tirinhas abaixo:

Tirinha MafaldaTirinha Mafalda

Reparem que, como na música do Chico, o verbo esperar também é central no personagem e também é a crítica que a Mafalda faz ao Miguelito. Afinal, se ele vai “ficar sentado esperando alguma coisa da vida” é provável que nada lhe aconteça, uma vez que o percurso futuro depende exatamente das ações no presente.

E quando, afinal, começamos a construir nossos projetos de vida? Quando a própria vida começa a fazer sentido para os sujeitos, ou seja, quando as nossas experiências pessoais se tornam lugar de convergência de intencionalidades (individuais, familiares, de grupos...) e de tomada de consciência de uma existência relacional, para a maioria das pessoas isso ocorre na adolescência. Trata-se de um despertar, por parte dos jovens, de outros interesses, diferentes daqueles da infância, e de outras necessidades. Por exemplo, o seu papel na família; o desejo por autonomia; o lugar que ocupa na sociedade. Quando eles começam a se indagar: quem sou eu? O que eu quero da vida? O que eu vou fazer depois que me formar? Quando vou sair da casa dos meus pais? Obviamente que esse não é um processo simples e não acontece da mesma forma para todas as pessoas. Esse processo de amadurecimento e reconhecimento de si é permeado por questões de diversas ordens, objetivas e subjetivas e isso implica modos diferentes de construção dos projetos de vida. Nesse processo, aspectos como gênero, raça, território de nascimento e moradia, condições econômicas entre outros têm implicações que podem contribuir de maneiras distintas. 

O pesquisador José Pais (2001) nos chama atenção para a não linearidade dos projetos de vida, tendo em vista que, na modernidade, as possibilidades são tantas que a ideia de linearidade dá lugar a outra, de um futuro de incertezas, de vidas em labirintos, como podemos observar no plano traçado por Mafalda nas tirinhas a seguir:

Tirinha Mafalda 2 Tirinha Mafalda 2

Para melhor explicar o que queremos dizer com isso, vamos exemplificar a importância do sonho na construção dos projetos de vida e a influência dos fatores acima mencionados nos sonhos e projetos dos jovens.

Saiba mais:

Você já ouviu falar do norte-americano Martin Luther King? Ele ficou famoso pelo fato de que, em uma época de segregação racial nos Estados Unidos, ousou sonhar e imortalizou sua ousadia com seu célebre discurso “I have a dream” (Eu tenho um sonho), um marco na história de superação das desigualdades raciais naquele país.

Portanto, é importante compreendermos que o sonho é a primeira etapa do projeto, por isso é tão importante que nós, adultos, sejamos capazes de estimular os jovens a sonhar ou mesmo de permitir-lhes sonhar, em alguns contextos.

Por assim entender, partimos da premissa de que uma das funções sociais da escola que assume uma formação cidadã dos jovens alunos é levá-los a refletir sobre como a escola e os professores podem contribuir de forma mais ou menos contundente com seus processos de construção dos projetos de vida. Você já pensou no tamanho dessa responsabilidade?

Primeiramente, é fundamental que procuremos entender como a dinâmica escolar (muitas vezes excludente, racista e normativa) pode acabar, na realidade, afastando ou dificultando essa influência, que deveria ser propositiva, nos projetos de vida dos jovens. Alguém que não se sente acolhido, que não se sente respeitado e é diariamente violentado por seus fenótipos, não se sente confortável para deixar que essa instituição interfira nos seus projetos de vida. A partir disso, podemos refletir sobre como mudar esses aspectos para que, de fato, a escola sirva como um apoio efetivo para toda a população, e não para uma parte privilegiada da mesma. Vocês se lembram de um vídeo que assistimos no módulo I do curso, em que uma jovem negra fala da escola como um lugar onde se sentia discriminada, vítima de racismo? Se os jovens não se sentem acolhidos na escola, será que confiarão sua vida, seu futuro a essa instituição?

O que observamos é que é muito mais comum os jovens atribuírem à família e aos outros meios sociais em que circulam, o papel de motivação, incentivo e cobrança em relação aos investimentos nos projetos de vida do que à escola. Entretanto, se por um lado a escola não tem se apresentado, na maioria das vezes, como uma instituição orientadora de tais projetos, por outro, a maior parte das famílias, sobretudo das camadas populares, veem exatamente nessa instituição a possibilidade de um “futuro melhor” para seus filhos e depositam muitas de suas fichas no investimento escolar.

Nesse jogo de empurra-empurra os jovens correm o risco de se verem sozinhos diante de seus próprios destinos e na busca dos seus sonhos. Assim, o que a princípio deveria ser uma preocupação de todos, passa a ser responsabilidade unicamente dos indivíduos, que também se tornam responsáveis solitários pelos seus sucessos e fracassos, acentuando ainda mais o caráter meritocrático dos êxitos obtidos.

Ilustração: jovem pensando no futuro

Nesse processo, é importante que os jovens encontrem apoio do mundo adulto no sentido de lhes possibilitarem sonhar e sonhar junto, afinal como nos lembra a canção de Raul Seixas:

Sonho que se sonha só,
é só um sonho que se sonha só,
mas sonho que se sonha junto é realidade

"Prelúdio" [ Ouça a música ]

Esse respaldo que se estimula do mundo adulto em relação aos sonhos dos jovens não é no sentido do devaneio ou de levá-los a um mundo de fantasias, mas de ajudá-los a problematizar seus sonhos e formas de concretizá-los. Contudo é fundamental ressaltarmos as dificuldades enfrentadas pelos/as jovens negros/as de periferia de concretizarem seus sonhos e até mesmo de pensar sobre eles, já que o mundo adulto os oprime de forma a interferir nesse processo, portanto, eles se sentem ainda mais solitários e incapazes de “sonhar junto”.

Sabemos que todo projeto nasce de um sonho. Peguemos um exemplo da arquitetura. A cidade de Brasília, assim como o fantástico templo da Sagrada Família em Barcelona, na Espanha, idealizada por Antoni Gaudí, iniciada em 1882 e ainda inacabada, são exemplos de sonhos ousados que se tornam projetos e se concretizaram. Todo projeto começa de um sonho e com os projetos de vida não é diferente. Por outro lado, transformar os sonhos em realidade, como sugere Raul Seixas em Prelúdio, é algo que não depende única e exclusivamente do indivíduo, mas sim das condições objetivas e subjetivas na qual ele está inserido, dos laços sociais construídos ao longo da vida, entre outros fatores, como veremos mais adiante.

 que esses exemplos nos dizem é que é importante estimular os sonhos, pois são eles que alimentam os projetos. Nesse sentido, uma abordagem da juventude e com a juventude sobre seus projetos de vida, seja no âmbito familiar, seja no contexto escolar, exige que seus sonhos e desejos sejam ouvidos. E não só. É importante que esse exercício de escuta seja sincero, pois só assim poder-se-á verdadeiramente ajudar na orientação dos projetos desses jovens. Assim, por exemplo, uma criança ou um jovem que sonha em se tornar Presidente da República precisa ser ouvido/a do mesmo modo que outro/a que sonha em encontrar alguém para se casar e ter filhos.

O que entendemos por exercício de escuta verdadeiro está relacionado à dimensão da confiança, que é fundamental. Nesse sentido, se o jovem percebe que tem a confiança do mundo adulto para a escuta dos seus sonhos, isso pode ser um estímulo para que seu sonho vire um projeto e se concretize ou para que seja capaz de analisar criticamente seus sonhos e revê-los, se necessário.

Um dos aspectos importantes que e necessário ser considerado na discussão sobre projetos é que projeto está diretamente relacionado a valores, como nos lembra Machado (2004). Ou seja, um sujeito ou grupo, em uma determinada sociedade e/ou tempo histórico, vai desenvolver projetos embasados nos valores que orientam os modos de ver o mundo naquele contexto. Por exemplo, o Projeto Político Pedagógico de uma escola, que é construído coletivamente, carrega, explícita e implicitamente, os valores que orientam aquela instituição e os sujeitos que se pretende formar. Portanto, a postura ética dos profissionais da educação exige atitudes de respeito a esses valores coletivos, em detrimento dos seus valores e crenças pessoais.

Nesse sentido, os projetos de vida são carregados de valores, tanto individuais quanto dos grupos sociais dos quais fazemos parte. O grande desafio, em alguns casos, sobretudo para os profissionais da educação, é quando os valores dos membros de um grupo ou uma família não dialogam com os valores dos próprios jovens. Como a escola pode lidar com essa situação para discutir projetos de vida com esses jovens? Como dialogar com pais que acreditam que uma jovem é criada para casar e constituir família e essa jovem não tem o mesmo desejo para a sua própria vida?

A música “Sapato 36”, de Raul Seixas, aponta essa dicotomia entre o sonho de um sujeito e o sonho que seus pais têm para ele. Será que e escola e os professores em alguns momentos não ocupam também esse lugar daquele que acha que “sabe o que é melhor para o outro” e passa a projetar por ele?

Eu calço é 37
Meu pai me dá 36
Dói, mas no dia seguinte
Aperto meu pé outra vez.
Pai eu já to crescidinho,
Pague pra ver, que eu aposto
Vou escolher meu sapato
E andar do jeito que eu gosto
Por que cargas d'águas
Você acha que tem o direito
De afogar tudo aquilo que eu
Sinto em meu peito
Você só vai ter o respeito que quer
Na realidade
No dia em que você souber respeitar
A minha vontade Ouça a música

Essa reflexão nos leva a outra igualmente importante que é o caráter indelegável e intransferível dos projetos (ALVES, 2013). Ou seja, “não se pode projetar pelos outros”, como nos alerta Machado (2004, p. 7). O entendimento dessa dimensão é fundamental, sobretudo no que tange aos projetos individuais, no sentido de que, por exemplo, os pais não podem (ou pelo menos não deveriam) projetar pelos filhos; ou uma escola não pode (ou não deveria) adotar para si o Projeto de outra instituição ou elaborado por pessoas externas; ou ainda um professor não pode querer que seus alunos cumpram projetos que são seus (ou da escola). Nesse sentido, se o projeto é parte da condição humana, é necessário que seja pessoal, intransferível e indelegável. Cada um com seu projeto e mesmo que cada projeto não seja, necessariamente, exclusivo de cada um, este precisa ser aceito pelo sujeito. (ALVES, 2013).

Outra característica importante é que a realização do projeto baseia-se na identidade e no campo de possibilidades. De acordo com Dayrell (1999) projeto de vida está intimamente ligado à construção da identidade juvenil, processo de aprendizagem que implica no amadurecimento da capacidade de integrar o passado, o presente e o futuro, articulando a unidade e a continuidade de uma biografia individual. O indivíduo constrói sua identidade de forma processual e autônoma, a partir das referências socioculturais e do campo de possibilidades e não como algo dado e definitivo. O campo de possibilidades é aqui entendido como sendo as condições estruturais e conjunturais, balizadas pelos limites de ordem social, histórica, econômica, cultural, territorial e pessoal aos quais os projetos estão sujeitos.

Ressaltamos, no entanto, que ponderar os elementos das condições estruturais e conjunturais que compõem o campo de possibilidades, bem como as condições subjetivas que estão postas na dimensão individual, é fundamental para que não caiamos na tentação de assumir, por um lado, o discurso neoliberal que responsabiliza única e exclusivamente o sujeito pelo seu destino, levantando bandeiras do tipo “basta querer que você vai conseguir”. Ou, em outro extremo, de tomar uma posição pessimista e determinista do tipo “esse não tem jeito!”, desconsiderando que as condições socioeconômicas, em uma sociedade capitalista, podem sim produzir efeitos perversos, ceifar sonhos e comprometer o próprio desenvolvimento social, por não oferecer igualdade de condições e oportunidades e por não proporcionar a todos o mesmo ponto de partida.

Não podemos deixar de citar que a realidade e as possibilidades não são iguais para aqueles de diferentes classes sociais, portanto há uma dimensão econômica importante, mas também há outros marcadores importantes. Assim cada sujeito vai desenhando seus projetos de vida dentro do campo de possibilidades que – além das demarcações objetivas, de ordem econômica – também é limitado e/ou potencializado dependendo do grupo ao qual pertence.

Quando falamos em identidade, dizemos de diversos aspectos (como a raça, o gênero, o território, a orientação sexual...) inerentes a cada um de nós, que nos constituem como sujeitos. É por isso que é tão importante que os jovens se conheçam, e vivenciem processos que lhes permitam problematizar seus projetos de vida de forma crítica e autônoma. Vamos pensar nessas questões a partir de alguns exemplos ligados à identidade racial e como que na sociedade brasileira esse elemento significativo tem influências diretas no campo de possibilidades. Não é por acaso que a população negra encabeça dados como o desemprego, a baixa escolaridade, os mais baixos salários e os altos índices de violência.

Observando formas e texturas

Pensando em um elemento importante da identidade, a raça, e as implicações desse elemento para o campo de possibilidades, escolhemos algumas imagens para ilustrar como o histórico de exclusão da população negra continua banindo esse grupo social de setores estratégicos da nossa sociedade como a política, o jurídico, a educação, dentre outros e limitando seu campo de possibilidades. A primeira imagem é do atual quadro dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a segunda é um quadro com uma imagem que apareceu em várias redes sociais, de um grupo de formandos de medicina e de aprovados em um concurso da Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro.

ATENÇÃO! Caso tenha dúvidas sobre a categoria negro, volte aos textos dos módulos iniciais onde os autores se debruçaram sobre o tema e discutem esta e outras categorias relevantes para o entendimento das questões aqui apresentadas.

STF Fonte: Wikimedia Imagens comparando uma turma de formando em Medicina na Bahia com aprovados no concurso para gari Fontes: http://www.gradusformaturas.com.br/Medicina-UFBA.jpg
e http://g1.globo.com/

PARA REFLETIR! Antes de prosseguirmos, vamos ampliar esse exercício, a partir da metodologia do “Ver, ouvir, registrar”, e pensar nas periferias das grandes cidades, nos diversos cargos dentro de um hospital, nos alunos de escolas públicas e privadas... será que iremos perceber recorte racial? Será que há determinados grupos raciais em maior quantidade em diferentes contextos da nossa sociedade? Tente exercitar seu olhar com essas questões cotidianas.

Reparem que nos dois casos há um recorte racial explícito. No quadro dos ministros do STF há apenas um negro, que só recentemente lá chegou, e nas imagens do segundo quadro há um recorte racial explícito. E por que será?

Voltando às imagens, elas nos remetem à história do nosso país e proporcionam um breve exercício, para ilustrar que o campo de possibilidades, definido por aspectos macroeconômicos, territoriais, históricos e estruturais, é também influenciado por elementos da nossa identidade, como a identidade de gênero e de raça, por exemplo. Isso faz com que mulheres e negros sejam menos valorizados que outros grupos sociais no mercado de trabalho e em muitas outras situações da vida. Quem nunca ouviu expressões como “lugar de mulher é na cozinha”, ou “não venha me fazer serviço de preto”. Essas são manifestações de racismo e discriminação que muitas vezes são vistas como “brincadeiras”, mas que para quem ouve podem deixar marcas profundas.

Por isso que é tão importante que os jovens conheçam a realidade no qual estão inseridos, mas também se conheçam, se reconheçam e se afirmem a partir das suas identidades. No caso dos jovens negros, reconhecer-se como negro e afirmar sua identidade é um movimento importante que precisa encontrar respaldo nas instituições onde está inserido. Nesse sentido, é importante que a escola conheça a história de lutas da população negra; que acolha os jovens negros a partir dos seus valores, suas crenças, seus sonhos; que reconheça que o campo de possibilidades para esse grupo social é mais restrito e que se abra para que os jovens negros possam sonhar juntos com a instituição escolar.

A partir desse movimento os projetos precisam ser pensados e problematizados de forma crítica, a partir dos conceitos de identidade e de campo de possibilidades. Somente assim poderemos estimular os nossos jovens alunos a sonhar e a elaborar seus projetos de vida sem a demagogia do discurso neoliberal e sem o determinismo pessimista que condena alguns ao fracasso. Para isso, propõe-se problematizar o campo de possibilidades dos jovens negros e provocar discussões que ajudem nos processos de construção e afirmação da identidade negra.

Por outro lado, trazemos agora outro exemplo que, ao contrário dos anteriores, nos mostram que a população negra, tendo iguais oportunidades, pode competir em pé de igualdade com outros grupos.

Usain Bolt Fonte: Terra Esportes

Se nos primeiros exemplos falamos de situações em que os negros estão claramente em desvantagem quando comparados à população branca, esses outros exemplos nos mostram o outro lado dessa história. Temos aqui o caso de atletas negros (e não são poucos) que, tanto no Brasil como no exterior, têm se destacado em alguns esportes, nomeadamente nos esportes em que o investimento financeiro é mínimo, como as corridas e o futebol, e são referências mundiais.

 É por isso que é tão importante que sejamos capazes de aprofundar o debate para entendermos que os negros e negras da nossa sociedade não encabeçam os números da violência porque são os mais violentos, mas porque têm menos oportunidades; não estão fora das universidade porque são intelectualmente inferiores, mas porque não têm uma base escolar sólida; e não têm uma base escolar sólida porque muitas vezes não se sentem acolhidos o suficiente nessa instituição o suficiente para serem bem sucedidos; não estão excluídos dos postos mais valorizados no mercado de trabalho porque são incompetentes, mas porque não reúnem capital cultural, social e escolar suficiente para tal, em muitos casos negados pela própria escola que deveria acolhê-los; não ocupam altos cargos políticos porque não têm competência, mas porque a história exclui essa população de tais cargos desde a primeira geração de negros que pisou neste país.

Como dito anteriormente, sabemos que os projetos de vida vão muito além da escolha profissional, mas não podemos negar a importância desse aspecto em nossa vida. A profissão, assim como relacionamentos afetivos, casamento, filhos, moradia, dentre outros aspectos, são questões que sempre aparecem quando o assunto é projetos de vida.

O trabalho é uma experiência marcante para todos nós. Para os jovens brasileiros não é diferente, pois o trabalho envolve suas perspectivas de vida, no presente e no futuro. Para muitos, as primeiras experiências já ocorrem no início da adolescência. Para outros, mesmo que ainda não estejam inseridos no mercado de trabalho, o desejo de trabalhar e a preocupação em relação ao futuro profissional já se manifestam de uma maneira muito forte. Para financiar o lazer e adquirir itens de consumo juvenis – roupas, tênis, CDs, eletrônicos, etc. –, muitos jovens precisam trabalhar. Outra grande parte faz do trabalho sua condição para estudar ou até mesmo para ajudar nas despesas de casa.

A relação deles com o mundo do trabalho é também marcada pela desigualdade. Alguns vivem o trabalho como um tempo de formação. Outros têm suas trajetórias marcadas pelo desemprego, pela dificuldade de inserção profissional e pelo trabalho precário.

Na música escrita por Renato Russo em 1991, já notamos a relação estabelecida entre os jovens e o trabalho, destacando o que muitos jovens viveram e ainda vivem quando se busca um trabalho.

Vamos sair, mas não temos mais dinheiro
Os meus amigos todos estão procurando emprego
Voltamos a viver como há dez anos atrás
E a cada hora que passa
Envelhecemos dez semanas
“Teatro dos Vampiros”, Legião Urbana (1991)
[ Ouça a música
]

Os dados abaixo dialogam justamente com esse contexto, estabelecendo uma comparação entre os anos de 1992 e 2011 e o que percebemos é que independentemente do ano e da região, a população jovem lidera as dificuldades de acesso/permanência no mercado de trabalho, quando comparada ao restante da população ativa.

Gráfico Taxas de desemprego entre jovens

Você já parou para pensar: o que os seus alunos pensam do trabalho? Quantos deles trabalham? O que dizem de suas dificuldades e realizações nesse campo? Qual a relação da escola com essa questão?

Relacionando juventude e trabalho

Sabemos que a relação das pessoas com o mundo do trabalho tem se modificado com o passar dos anos, não é mesmo? Basta olhar para trás e pensar em nossos pais e avós, por exemplo. Quem não conhece alguém que trabalha ou trabalhou boa parte da vida numa mesma empresa? Além disso, terminar o Ensino Médio, de certa forma, era uma “garantia” de entrada em um emprego. E como está hoje? Pensando especialmente nos jovens, como é o mercado de trabalho hoje para eles? Os jovens têm conseguido um espaço nesse mundo tão competitivo?

Nem precisamos pensar muito para responder a essas questões, principalmente quando olhamos o “novo” contexto em que estamos inseridos. As novas tecnologias, o crescimento do setor de serviços, a flexibilização dos contratos, entre outras mudanças, tornam o mundo do trabalho confuso e diverso. Assim, os jovens passaram a conviver com maiores riscos e incertezas com relação ao mercado de trabalho. A imagem que se tinha de um trabalho para toda a vida, em torno do qual se estruturavam os projetos de futuro, passa a ser relativa.

"Trabalho decente" para a juventude! É importante saber...

No contexto de desigualdades sociais e desemprego, o trabalho sem proteção legal e precário tem sido uma marca da inserção juvenil no mundo do trabalho. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), dos jovens brasileiros que trabalhavam em 2009, apenas 45,2% tinham carteira assinada e 24,8% trabalhavam informalmente. Na Região Norte, o índice dos jovens que trabalhavam sem carteira assinada subia para 29,7% e o índice daqueles que trabalhavam com registro em carteira caía para 29,1%. No Nordeste, esses índices eram de 31,1% e 27,2% (DIEESE, 2011). Ou seja, se o trabalho precário é grande para os jovens brasileiros, em algumas regiões essa realidade é pior ainda.

Nesse sentido, o trabalho deve ser pensado a partir das necessidades juvenis de formação, desenvolvimento profissional, participação social e acesso ao lazer e à cultura. Assim, não se pode pensar o trabalho juvenil sem uma rede de proteção social que garanta o atendimento às suas demandas e a preservação de sua integridade física e moral.

Os jovens e os diferentes sentidos do trabalho

A relação dos jovens com o mundo do trabalho não se estabelece de maneira igualitária. Além disso, os jovens se inserem no mundo do trabalho por motivos diferentes e dão a ele significados distintos. Para alguns jovens, como já mencionado, o período da juventude é um tempo de preparação, quando, em geral, as primeiras experiências se dão através de estágios e cursos de formação profissional, podendo a inserção no mercado de trabalho esperar um pouco mais. Além disso, em sua maioria, são os jovens de camadas mais elevadas que conseguem uma inserção através de suas redes de contato. Afinal, quem nunca ouviu falar do “QI”? O “QI”, ou seja, “quem indica” contribui favoravelmente para o primeiro contato de muitos jovens com o mundo do trabalho.

Por outro lado, para os jovens das camadas populares, muitas vezes, a entrada imediata e precoce no trabalho é a única alternativa. Para muitos, trabalhar possibilita a continuidade dos estudos e o acesso a bens e serviços, ampliando a vivência da condição juvenil. Dessa forma, acabam aceitando “qualquer coisa”, mesmo sendo uma atividade que não gostam de fazer. Assim, até os trabalhos vistos como mais “sacrificantes” podem representar uma oportunidade de experiência necessária para a obtenção de melhores empregos.

Nem sempre os jovens se inserem no trabalho sonhado.  Muitas vezes, o que aparece é um trabalho informal,  em que trabalham muitas horas por dia, recebendo um salário baixo e submetendo-se a condições precárias. Nesse contexto, o trabalho vai perdendo o sentido de ser uma atividade com a qual nos identificamos e nos realizamos. As expectativas tendem a se voltar para aquilo que está “fora” do trabalho! Ou seja, o “bom” trabalho normalmente está associado àquela ocupação “com carteira assinada”, bem remunerada, com uma jornada menor, em condições adequadas, etc.

Mesmo diante de todas essas questões, o trabalho ainda é uma dimensão importante na vida de todos, convivendo com outras esferas também cruciais da experiência juvenil. É nessa fase da vida que a preocupação com o futuro profissional aparece, junto com outras experiências e demandas. Além disso, o trabalho traz consigo significados diferentes para os jovens, ligados às experiências atuais e aos seus planos de futuro. Além de ser fonte de sobrevivência e geração de renda, o trabalho também é um espaço importante de sociabilidade, de produção de valores e construção de identidades.

Racismo e mercado de trabalho

Seguindo os passos das discussões que vivenciamos nos módulos anteriores, sabemos que o pertencimento racial tem impacto em diversas esferas da vida dos jovens negros em nosso país, principalmente pelo racismo vivenciado cotidianamente por esse grupo.

No mundo do trabalho, o processo de exclusão vivido pelos jovens negros não é diferente: maior dificuldade em encontrar uma ocupação, maior informalidade nas relações trabalhistas e menores rendimentos. Ainda segundo os dados oficiais (Ipea, 2005) , em 2003, de cada dez jovens negros de 18 a 24 anos de idade, quatro encontravam-se desempregados; entre os brancos essa relação era de um para seis. Quando, finalmente, o jovem negro consegue uma ocupação, essa é, em geral, exercida de forma bem mais precária que a do branco. Em 2003, cerca da metade dos brancos entre 18 e 24 anos possuíam carteira assinada ou eram funcionários públicos; entre os negros, essa proporção era de apenas um terço. Com isso, os jovens negros recebiam uma renda média mensal de R$ 418,47, equivalente a 63% da dos brancos da mesma idade.

Mas e a escola, qual seria então o lugar dela nessa construção? O que ela tem a ver com tudo isso e como pode intervir no auxílio à elaboração desses projetos de vida? A questão que importa aqui é: seria uma função social da escola contribuir para um investimento eficaz dos jovens no seu futuro? Ela tem feito isso? Como?

Saiba mais:

Para abordar esse assunto convidamos você a assistir um vídeo utilizado em uma pesquisa desenvolvida com jovens no Pará:

Assista ao vídeo

No vídeo fica clara a importância para os jovens de se pensar nos projetos de vida, bem como a consciência que eles têm de que as escolhas e decisões do presente interferirão nas prospecções de futuro. Os depoimentos também evidenciam uma necessidade que os jovens parecem ter de querer aliar algo que gostam de fazer, e em que se consideram bons, com uma profissão que trará retorno financeiro. Outro fato que nos chama a atenção ainda é a centralidade que os estudos adquirem na vida dos jovens que pretendem entrar no mercado de trabalho, fazendo parecer que esse é o único caminho possível para tal.

A escola muitas vezes transfere para a família a responsabilidade de auxiliar os jovens na construção de suas perspectivas de vida. A família, por sua vez, deposita na escola a expectativa de que ali seu filho terá a garantia de um futuro melhor, sobretudo àquelas desprovidas de recursos e econômicos para tal. Nessa disputa por uma definição das responsabilidades, o jovem acaba muitas vezes se vendo como o único responsável pela construção da sua própria história, ficando à mercê dos recursos, muitas vezes limitados, de que dispõe. É o que mostra o depoimento a seguir.

A verdade é que a escola de ensino médio não contribuiu em nada com meus objetivos. Aliás, ninguém lá nem ficou sabendo dos meus planos de tentar entrar na Medicina da USPRevista Onda Jovem, 2009

Acreditamos que o professor e a escola têm papel fundamental para que os (as) jovens (re) pensem seus projetos de vida, proporcionando discussões sobre tais projetos e buscando orientar os jovens sobre a multiplicidade de possibilidades ofertadas pelo mundo. Assim, a escola pode e deve ser vista como um espaço para vivenciar mudanças, estimular a reflexão sobre os projetos de vida, aprender a lidar com a instabilidade do futuro, equacionar os melhores investimentos de forma racional, consciente e planejada levando-se em conta as individualidades, desejos e contextos sociais, culturais e econômicos.

Contudo, não estamos querendo dizer que a função do professor em relação aos jovens seja a de direcioná-los e encaminhá-los na vida, mas antes sim o de promover situações em que a temática sobre os projetos de vida possa ser discutida, experimentada, vivenciada. Assim estará gerando novas ideias e ampliando o campo de possibilidades para a construção de possíveis futuros.

Apesar disso, o que tem se observado é que muitas escolas não têm desenvolvido com eficácia essa função de auxílio e incentivo aos jovens no que diz respeito aos projetos de vida, gerando uma profunda descrença por parte deles nesse papel que deveria ser, também, das instituições escolares.

O que você pensa a respeito disso? Será que essa também não deveria ser uma das funções da escola, pensando em uma escola que se pretende justa? Essa responsabilidade não deveria ser compartilhada através de uma parceria escola- família-sujeito? Como os seus alunos veem a escola no que diz respeito ao possível auxílio na construção de um projeto de vida? É o que queremos saber, que tal pesquisar?

Outras Cores / Explorando Materiais

Para ver outros vídeos e textos sobre a relação dos Jovens com seus projetos de vida, não deixe de visitar também essas duas comunidades do Portal Emdiálogo:

Conheça os autores:

Helen Cristina do Carmo é Pedagoga e Mestre em Educação pela UFMG. Professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e membro da equipe do Observatório da Juventude UFMG.

Sara Villas é licenciada em História e Mestre em Educação pela UFMG. Professora da Rede Particular de Ensino de Belo Horizonte e membro da equipe do Observatório da Juventude UFMG.

Maria Zenaide Alves é Pedagoga. Doutora em educação. Professora da Universidade Federal de Goiás. Integrante do Observatório da Juventude da UFMG.

Referências bibliográficas: