Nesse Eixo Temático, iremos discutir o tema juventude e participação e sua relação com as questões étnico-raciais e o enfrentamento da violência. Mas o que a participação dos jovens em grupos de Rap, Grafite, coletivos de jovens negros, fóruns, pastorais de juventude, associações comunitárias e movimento estudantil pode nos dizer a respeito da educação e da escola? O que esta participação dos jovens negros pode nos informar sobre formas de luta por reconhecimento e enfrentamento do racismo?

A noção de participação é ampla e diversa. Há vários sentidos para a palavra participação e várias formas de realizá-la. Em um sentido mais amplo, a participação nos remete à ideia de adesão das pessoas a agrupamentos produzidos nas variadas dimensões de organização da sociedade: agrupamentos religiosos, esportivos, culturais, afetivos, enfim, formas múltiplas de associativismo. Em um sentido mais estrito, a noção de participação nos remete à presença ativa dos cidadãos nos processos decisórios das sociedades. Essa última noção tem a ver com a participação política ou participação cidadã.

Porém, a participação política é entrecortada pelas relações de poder e hierarquias que estruturam as sociedades. As relações raciais, de gênero, de classe, dentre outras, influenciam diretamente nas formas, modos, possibilidades e acessos dos indivíduos à participação política e vida pública. No que tange às relações raciais no Brasil e à juventude, podemos pensar que o racismo modula as possibilidades e formas de participação política. A luta por reconhecimento e valorização da identidade e cultura negra, a luta por políticas específicas para a população negra, enfim, os movimentos, coletivos e agrupamentos constituídos por jovens negros que conformam as variadas formas de luta contra o racismo, são exemplos dessa questão. É o que veremos com mais detalhes ao longo do texto.

Nos mais variados discursos educacionais e escolares, e em distintos níveis - da dimensão das políticas educacionais à formulação dos projetos político-pedagógicos das escolas - encontramos a explicitação da tão propalada “formação para cidadania”. Vivemos tempos que apontam para a tendência de retraimento e esvaziamento dos espaços públicos e da vida pública em suas mais diversas formas, em detrimento do alargamento da dimensão da vida privada sob os mais variados aspectos de nossas vidas. É comum que nossas sociedades deem uma visibilidade exagerada e reconheçam os atos de pessoas em suas vidas privadas de maneira mais intensa do que a atuação destacada de qualquer pessoa na vida pública. O comportamento na vida privada de qualquer celebridade midiática é mais visível socialmente do que a atuação de um cidadão que se destaque por seus feitos na vida pública, por exemplo. Da mesma forma, os espaços privados em nossas cidades, como os shoppings e centros comerciais, tendem a ser mais valorizados e reconhecidos do que os espaços públicos como as praças, parques, espaços culturais, etc.

Nas sociedades contemporâneas, a tendência de as sociabilidades e relações se construírem no espaço privado restringe a convivência com as diferenças e reforça, de certa forma, as hierarquias de classe e raça. Os espaços da cidade vão sendo assim marcados por separações classistas e racistas. Jovens negros e pobres tendem a conviver em espaços marginalizados e estigmatizados, separados dos espaços em que circulam jovens brancos e com condições financeiras melhores. A circulação e experiência na cidade então são delineadas pelo pertencimento racial e de classe. Pensem em casos e exemplos de racismo e segregação vivenciados por jovens negros nos diferentes espaços urbanos. Vivemos em uma sociedade em que os exemplos e casos são abundantes, não é mesmo?

Nesse sentido, a pergunta que devemos colocar é justamente de que a forma as políticas educacionais e a escola materializam suas intencionalidades de “formação para a cidadania”, ou seja, de formação para a vida pública e convívio com as diferenças étnico-raciais? De que maneira a escola pode propiciar aos/às jovens alunos/as a convivência com o diferente, com as diversas perspectivas culturais oferecidas pela cidade e a circulação pelos mais variados espaços urbanos? Como a escola incorpora as diversas formas e espaços participativos construídos pelos jovens alunos? O que a escola, sociedade e demais instituições podem fazer para tentarem reparar a história de racismo e marginalização dessa parcela significativa da população?

Os espaços participativos podem ser espaços educativos privilegiados para a inserção e aprendizado da cidadania, dos valores democráticos e de convívio com as diferenças, bem como podem ser também espaços privilegiados de reflexão sobre as relações raciais no Brasil. Dito isso, afirmamos que a experiência participativa é por sua própria natureza uma experiência educativa, formativa e humanizadora.

A experiência participativa representa uma das formas de os jovens vivenciarem processos de construção de pautas, projetos, ações coletivas e visões de mundo. Além disso, a experiência participativa também é importante por permitir aos jovens vivenciarem valores como a solidariedade e a democracia e por permitir o aprendizado da alteridade, ou seja, aprender a respeitar, perceber e reconhecer o outro e suas diferenças. A participação pode ser então uma experiência muito importante na vida dos jovens, ao mobilizar dimensões mais colaborativas em uma sociedade que tende para o individualismo e enfraquecimento dos ideais, valores e práticas relacionados à dimensão coletiva da vida social.

Com relação aos espaços participativos construídos e vivenciados por uma parte dos jovens negros e negras, podemos dizer que a experiência participativa é elemento crucial para:

  • a valorização identitária e o autorreconhecimento enquanto negro;
  • o aprendizado sobre a África, a ancestralidade africana, as culturas afro-brasileiras e outras expressões da diáspora africana no mundo, enfim, o aprendizado sobre o conjunto de elementos a que denominamos “raízes negras”;
  • as sociabilidades que constituem as formas de luta contra a opressão racial e de debate e enfrentamento do racismo.

Muitos/as são os/as jovens negros/as que relatam compreenderem melhor o problema do racismo e o seu lugar como sujeitos de direitos a partir da participação em grupos, movimentos e coletivos marcados pelo pertencimento étnico-racial.

Nosso Coletivo Negro

O objetivo desse eixo temático é refletir sobre as relações entre participação, escola, educação e juventudes negras. Esses são aspectos muito importantes quando se fala em formação para a vida e para a cidadania, para o convívio com as diferenças e enfrentamento ao racismo, para o processo de reformulação curricular e para o desenvolvimento de práticas educativas que almejem uma formação mais ampla e integral dos alunos. Nesse sentido, entendemos que conhecer algumas das experiências e espaços de participação que os jovens negros constroem, bem como as possibilidades de estímulo à participação no interior da escola, são fundamentais para que construamos uma escola e uma educação que objetive o aprofundamento dos valores democráticos, humanistas e da cidadania.

Vocês professores/as, portanto, serão convidados nesse texto a conhecer experiências de participação dos jovens negros e a refletir sobre o potencial formativo e educativo de tais experiências. Outra dimensão importante será a de perceber ao longo do texto as formas e expressões de enfrentamento da opressão racial engendradas pelas juventudes negras.

Boa leitura!

Edgard Leite de Oliveira, Francisco Martins e Igor Oliveira

A discussão em torno das experiências participativas nos sinalizam um caminho para a consolidação da figura dos jovens como sujeitos de direito diretamente envolvidos em processos de constituição da autonomia. Diante disso, discutiremos aqui, aspectos referentes à participação organizada de jovens e à busca por alguma forma de intervenção em relação a um tema que aparece como central na sociedade brasileira, que é a violência. Para tal, teremos como subsídio as discussões conceituais já estabelecidas nos módulos anteriores.

Foto Manifestação

A temática da participação juvenil ganhou novos ares no ano de 2013, durante a Copa das Confederações. As manifestações do mês de junho nos impeliram a refletir sobre a conjuntura social e em que medida a imagem dos jovens como hedonistas, apáticos e desinteressados pelas questões de ordem política seria uma imagem verdadeira. A questão da violência, em especial contra a juventude negra e pobre, também apareceu como demanda nas manifestações.

Se tomarmos como base os programas de noticiário cotidianamente veiculados em rede nacional, que tendenciosamente privilegiam os casos policiais, somos levados a pensar que a nossa juventude é, em grande medida, a responsável pela violência na sociedade. Essa é uma forma de culpar pela violência aqueles que dela são as verdadeiras vítimas. Esse é um dos fatores, inclusive, que fomenta no senso comum a ideia de uma possível resolução do problema da violência por meio da diminuição da maioridade penal. Talvez seja essa a cartada final para afastar do convívio social aqueles que, mesmo socialmente invisibilizados, se tornam presentes como um problema considerado grave. Daí a tentativa de uma segunda invisibilização por meio da privação de liberdade ou da vida.

Diante disso, se tomarmos como base as estatísticas, iremos nos dar conta de que essa juventude, em lugar de ser a única responsável pela violência social, está, na verdade, sendo vítima de tal violência e sofrendo um processo de extermínio. Outro aspecto importante a se considerar é que esses jovens que estão sendo mortos têm um sexo específico, cor e endereço. Podemos dizer que as maiores vítimas da violência na sociedade brasileira são os jovens do sexo masculino, com pouca escolaridade, negros e moradores das periferias, seja nos centros urbanos ou nos municípios de interior.

Saiba mais:

Para ilustrar essa discussão, assistam ao vídeo “Por que o senhor atirou em mim?”, que traz uma demonstração clara de como os jovens negros e pobres sofrem com a violência em nossa sociedade.

Em se tratando da violência e da juventude, os números são alarmantes. O relatório “Homicídios e juventude no Brasil” (WAISELFISZ, 2013), ao elaborar um mapa da violência, nos chama atenção para o crescimento considerável, a partir de 1980, das mortes violentas entre os jovens.

De forma geral, a taxa de mortalidade da população caiu entre 1980 e 2011; apesar disso, a taxa de mortalidade juvenil manteve-se estagnada, ou teve ainda um leve aumento. Enquanto a população morre em sua maioria por causas naturais (doenças, velhice), a juventude, majoritariamente, morre por causas externas (acidentes, suicídios, homicídios). Tal situação indica que estamos diante de “novos padrões da mortalidade juvenil” (WAISELFISZ, 2013).

Uma questão que merece atenção é que nesse período a taxa de mortalidade caiu 3,5% para toda a população, mas a taxa de mortes por causas externas aumentou 28,5%. Só para entendermos o reflexo desse aumento para os jovens, é bom nos apropriarmos de outros dados: entre os jovens, 73,2% das mortes se dão por causas externas, enquanto que entre os “não jovens” (restante da população), o percentual é de 9,9%. Se entre os “não jovens”, 3,0% das mortes foi por homicídio, para os jovens esse percentual alcança 39,3%. Entre os jovens, os homicídios, os suicídios e os acidentes de transporte são responsáveis por 63,4% das mortes violentas, enquanto que entre os “não jovens” essas três causas alcançam o percentual de 6,8%.

Charge Rolezinho Participação % das causas de mortalidade. População Jovem e Não Jovem. Brasil. 2011.
Fonte: http://www.cebela.org.br/

Quando se trata da questão étnico-racial, os dados são ainda mais alarmantes. O relatório “Homicídios e juventude no Brasil” (WAISELFISZ, 2013) pode nos ajudar muito a entender as minúcias dos números anteriormente mencionados.

Um primeiro aspecto é que desde 2002, de forma geral, tem havido uma queda nas mortes por homicídio na população branca e esse número tem aumentado junto à população negra, tendência que se observa tanto no conjunto da população quanto na juventude em específico. A queda dos índices de homicídios entre os brancos e o aumento entre os negros vai determinar um crescimento significativo nos índices de vitimização dos jovens negros: se em 2002 era de 71,6% – morrem proporcionalmente 71,6% mais jovens negros do que brancos – esse índice eleva-se para 136% no ano de 2006 e, no ano de 2011, o índice se eleva para 237,4%. Ou seja, em 2011, morrem proporcionalmente 3,4 jovens negros para cada jovem branco vítima de assassinato, índice que pode ser considerado inaceitável pela sua magnitude e significação social (WAISELFISZ, 2013).

Há que se entender que essa situação decorre de diferentes questões. Um aspecto relevante diz respeito ao fato de que vivemos em uma sociedade racista, que criminaliza, estereotipa e mata, deixando explícita a tendência de os sujeitos privilegiados interferirem sobre os corpos negros. Outras questões passam pela banalização e generalização de uma cultura da violência em uma sociedade eminentemente machista, que prima pela resolução de conflitos com as próprias mãos em prol da honra, pelo acesso relativamente fácil a armas de fogo (mesmo considerando a campanha de desarmamento e a restrição ao porte de armas no país), bem como pelo agravamento das contradições sociais em concomitância com a exacerbação dos valores consumistas, que enfatizam a importância do ter em detrimento do ser.

No entanto, é importante destacar que, apesar de serem o grupo social mais vitimado, os jovens, são também os maiores autores dos homicídios. Tal realidade não pode ser analisada sem considerar as circunstâncias citadas anteriormente e, como diria o poeta, “também morre quem atira!”. Segundo Ferreira (et. al.) “o lado perverso disto é que o olhar da sociedade sobre os jovens dos setores populares quase que se restringe ao registro da criminalidade” (2009, p.201).

Outras Cores

Diante dessa realidade, retomamos aqui algumas experiências participativas desenvolvidas por jovens que se organizaram e lutam contra essa realidade e que já foram mencionadas no módulo 2.

Campanha reaja ou será morta, reaja ou será morto

Campanha reaja ou será morta, reaja ou será morto

“A Campanha Reaja ou será morto/a é uma articulação de movimentos e comunidades de negros e negras da capital e interior do estado da Bahia, articulada nacionalmente e com organizações que lutam contra a brutalidade policial, pela causa antiprisional e pela reparação aos familiares de vítimas do Estado (execuções sumárias e extrajudiciais) e dos esquadrões da morte, milícias e grupos de extermínio.”

Visite o site da campanha Página do Facebook

Fórum das Juventudes da Grande BH
Fórum das Juventudes da Grande BH

Fórum das Juventudes da Grande Belo Horizonte

“O Fórum das Juventudes da Grande BH é uma rede que defende os direitos da juventude e luta pela construção de políticas públicas com esta perspectiva. Criado em 2004, o Fórum é uma articulação da sociedade civil, suprapartidária e não confessional”.

Uma atividade importante que vem sendo desenvolvida pelo Fórum teve início no ano de 2012 e se trata da Campanha de Combate à violência contra os/as jovens.

Nesse documento, que foi elaborado com base em uma pesquisa desenvolvida pelo próprio coletivo de jovens, a violência é abordada por meio de um olhar ampliado, envolvendo questões referentes a homicídios e ao extermínio dos jovens negros, à privação da liberdade de jovens em conflito com a lei, às questões referentes à saúde da juventude, à violência contra a mulher e à homofobia. Além disso, estão sendo desenvolvidas também oficinas com vários jovens (escolas, ONG’s, movimentos sociais) tendo como base a agenda, no intuito de inserir esses atores na luta pelo seu direito à sua própria vida.

Visite o site da campanha elaborada pelo Fórum das Juventudes

Campanha Eu Pareço Suspeito?

Campanha Eu Pareço Suspeito? Levante-se para não ser derrubado

A campanha “Eu pareço suspeito?” é uma ferramenta de luta e combate ao racismo na sociedade brasileira por meio de ações na internet: vídeos, facebook, dentre outros. Isso se dá em função de uma violência racial vivida por jovens negros e negras, agravada em situações de abordagem policial em que as vítimas são vistas como “suspeitos/as” por serem negros/as e pobres.

Página do Facebook

Pastoral da Juventude

Pastoral da Juventude

A Campanha Nacional contra a violência e o extermínio de jovens, idealizada pela Pastoral da Juventude, vem sendo desenvolvida há alguns anos e destaca a proteção dos jovens como medida prioritária e urgente.

Página do Facebook

As questões referentes à violência instituída contra a população negra passaram a ser tema central de ações de jovens envolvidos na militância em torno das temáticas raciais. No ano de 2007, foi realizado na Bahia o I Encontro de Juventude Negra. Jovens negros de vários Estados se reuniram para discutir e formular um documento que orientasse as políticas públicas específicas para esse público. No mesmo ano, os jovens negros/as se organizaram para articular o Fórum Nacional da Juventude Negra, que iniciou sua atuação em 2008.

Esse foi um passo importante no sentido de incentivar a formação de outros fóruns em instâncias estaduais e municipais e agregar jovens negros deliberando e discutindo as questões específicas referentes às suas demandas, vivências e conflitos na sociedade. A mobilização se deu fortemente em torno das políticas de ações afirmativas e das cotas raciais, sobretudo no ensino superior brasileiro, bem como pela garantia efetiva da implantação da Lei n°10.639, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História da África e dos afro-brasileiros no Brasil. Outras questões também foram contempladas, como a saúde da população negra, a cultura e a violência urbana. O que estava em jogo era a intervenção na realidade de uma sociedade racista.

Se pudéssemos compor um mosaico que, de alguma forma, retratasse as formas de participação dos/as jovens brasileiros/as negros/as em nosso tempo, esse mosaico seria bastante diverso, pelo fato de que as formas participativas juvenis relacionadas com o pertencimento étnico-racial atualmente são marcadas pela diversidade de atuação, de espaços, de modos de fazer, de culturas etc.

A participação dos/as jovens negros/as pode ser a mais múltipla possível, abarcando a dimensão do cotidiano, as ações e agrupamentos formados nos bairros ou nas escolas, a participação religiosa, a atuação em grupos culturais, a militância em movimentos sociais, o ciberativismo, a contestação festiva e irreverente, a participação na construção de políticas públicas que abarquem a questão da juventude negra (conselhos, conferências), a participação em partidos políticos e no movimento estudantil, e por aí vai... As diversas juventudes negras estão atuando, construindo, produzindo e agindo. É preciso que apuremos nosso olhar para percebermos o que se passa, pois em alguns momentos essas questões são mais visíveis socialmente, em outros momentos são “subterrâneas” ou pouco visíveis. É necessário que ampliemos nossa percepção para visualizarmos muitos exemplos interessantes de participação construídos pelos jovens.

O que são Coletivos?

Coletivos são agenciamentos, associativismos e agrupamentos de jovens ativistas, jovens ambientalistas, jovens produtores de cultura etc., em prol de um ou mais fins. Os jovens se agrupam em coletivos, geralmente por afinidade/ideais, por relações afetivas, por questões identitárias ou por todos esses elementos juntos. A natureza de determinado coletivo, ou seja, os motivos, objetivos e interesses que conformam determinado agenciamento, indicam também a natureza dos agrupamentos. A organização dos coletivos também é marcada pela autonomia, autogestão e horizontalidade. Outro aspecto dos coletivos a ser ressaltado é o da flexibilidade e fluidez da participação engendrada em seu interior. Os compromissos, acordos, normas e regras são autodeterminados pelos indivíduos que deles participam. Não há rigidez nem fidelidade participativa. A relevância do indivíduo – dos desejos e necessidades individuais - no interior de um coletivo aponta para uma reflexão sobre as formas de agenciamento mais flexíveis e “líquidas”, distintas das formas participativas tradicionais.

Explorando materiais

Para conhecermos mais sobre as formas contemporâneas de participação de jovens negros, vejamos uma reportagem, um vídeo e uma indicação de link.

Cena de uma peça apresentada pelo Coletivo Negro

A reportagem se refere ao Coletivo Negro, um grupo de teatro comprometido com questões poético-étnico-raciais na cidade de São Paulo. Ou seja, um teatro engajado na questão racial brasileira.

Assista à reportagem sobre o Coletivo Negro

Sarau Vira Lata

Já o vídeo trata de uma chamada para o Sarau Vira Lata, uma iniciativa de ocupação de espaços públicos urbanos em Belo Horizonte com saraus de poesia. Quinzenalmente, jovens negros, de periferia, artistas e interessados em geral, ocupam um determinado espaço previamente estipulado, realizando um Sarau. Mais sobre o Sarau Vira Lata, visite: http://poesiaviralata.wordpress.com/

Assista ao vídeo-convite para o Sarau Vira Lata


Contra o racismo e toda forma de opressão

O Coletivo de Estudantes Negros da Universidade Federal de Minas Gerais (CEN) criado em 2011, se autodefine assim:

“O CEN (Coletivo de estudantes Negros) surge de uma necessidade de unir não só estudantes afro-descendentes e oriundos de camadas populares, mas também todos os estudantes que percebem a necessidade de abordarmos questões que surgem a partir da inserção do negro em um espaço que é tradicionalmente da elite, em sua maioria branca. Tendo em vista a discussão e adoção da política de bônus na UFMG e mais tarde, após muita luta dos movimentos negros e de mulheres negras, a constitucionalidade das cotas, faz-se necessária a discussão acerca das políticas afirmativas na Universidade e nas políticas públicas voltadas à população negra na sociedade, para que estas conquistem uma real inclusão dos negros e pobres.”

Conheça mais sobre o Coletivo de Estudantes Negros da UFMG

Gostaram da notícia, do vídeo e do link? Eles retratam um pouco da diversidade de formas participativas protagonizadas e criadas pelos jovens negros atualmente. Interessante percebermos que os exemplos acima trazem à tona para a vida pública a luta secular contra o racismo e as opressões vividas pela população negra de diversas formas e através de espaços autônomos criados pelos próprios jovens. Seja através da cultura (autorreconhecimento, valorização e visibilidade da cultura negra), da ocupação dos espaços públicos urbanos (criação de espaços de sociabilidade e encontro de jovens negros e de periferia) e do movimento estudantil (luta pela ampliação e conquista de direitos nas universidades), os jovens negros expressam tendências atuais da dinâmica de produção de autonomia pela juventude, de ampliação e ressignificação do fazer político, de invenção de novas formas de organização horizontais e não hierárquicas e de luta permanente contra o racismo e pela ampliação de direitos para a população negra.

RAP: Jovens Negros em ação!

As manifestações culturais são locais de confluência de ideias e participação política da juventude. Entre estas, destaca-se o Rap, uma das manifestações artísticas que compõem o movimento Hip Hop, como forma de participação política contemporânea, de grande influência entre os jovens negros moradores das periferias urbanas. Tal movimento é visto como uma forma de organização política, social e cultural da juventude negra e pobre. Ele é composto por quatro elementos: o break, o grafite, um DJ (disc-jóquei) e um MC (mestre de cerimônias). Juntos, o DJ e o MC são responsáveis pelo Rap (Rhythm and Poetry ou Ritmo e Poesia), o estilo musical do movimento Hip Hop, cujas letras buscam denunciar problemas sociais como a violência, a exclusão social e o racismo. O Hip Hop pode ser considerado como um movimento de resistência cultural negra. Vejam abaixo um trecho da letra da música “Apartheid no Dilúvio de Sangue”, do grupo de Rap Facção Central.

Foto Douglas Din

Que não haja um que tenha compaixão dos seus órfãos;
Sofram inimigos, o salmo é categórico
Sua sexta praga na tempestade de lágrima;
O dilúvio é de sangue sem Noé, sem arca
O sonho de King não me tira da mandíbula da besta;
Escravo e dono de fazenda não sentam na mesma mesa;
Vigora Apartheid, racial, social (...)

[ Ouça a música ]

Vocês já ouviram falar da Frente Negra Brasileira (FNB), do Teatro Experimental do Negro (TEN) e do Movimento Negro Unificado (MNU)?

Essas três iniciativas/movimentos podem ser entendidos como referência da participação, resistência e luta organizada dos negros na história brasileira.

Uma das primeiras organizações de negros a surgir no período republicano no Brasil foi a FNB (Frente Negra Brasileira), oficialmente criada em outubro de 1931, em São Paulo. A organização se estendeu por várias regiões do país, com sedes em diversos Estados. Chegou a ter 100 mil integrantes no final da década de 30. Suas principais bandeiras eram o combate ao racismo, a luta pela igualdade de direitos civis, pela participação política do negro e por melhores condições de vida da população nos guetos e favelas do país. No ano de 1936, a Frente Negra Brasileira se constituiu enquanto partido político; posteriormente extinto por Getúlio Vargas, durante o período do Estado Novo. Dentre as principais lideranças da FNB, podemos destacar Arlindo Veiga dos Santos, José Correia Leite, Abdias Nascimento e Sebastião Rodrigues Alves.

Charge Rolezinho Fonte: http://www.onu.org.br/

Na década de 40, uma experiência importante de resistência negra foi o TEN – Teatro Experimental Negro. O TEN propunha uma nova dramaturgia, na qual se valorizava o ator negro, e que tinha como objetivo trazer temas e assuntos do cotidiano do negro no Brasil. Os textos das peças apresentavam temas que expressavam o cotidiano e as lutas dos negros. O elenco era formado por operários, desempregados, empregadas domésticas, funcionários públicos, que passavam por cursos de formação artística, alfabetização etc.

Saiba mais:

O criador do TEN foi uma das principais lideranças negras de nossa história recente: o ex-senador, ativista e artista Abdias do Nascimento. Para conhecer mais sobre sua história, assista ao documentário “Abdias Nascimento” da TV Câmara, que apresenta a vida deste que foi um dos maiores ativistas do movimento negro no Brasil:

Já a partir das décadas de 1960 e 1970, as organizações negras brasileiras, em plena época da ditadura militar, ganharam impulso e foram influenciadas diretamente pelas lutas por direitos civis que ocorreram nos Estados Unidos. Nomes de importantes lideranças negras norte-americanas como Malcolm X, Rosa Parks, Martin Luther King Jr. e movimentos organizados de negros americanos como os Panteras Negras, se tornaram referências importantes para a criação do Movimento Negro Unificado (MNU) no ano 1978, na cidade de São Paulo. Os abundantes casos de racismo pela cidade e o assassinato do negro Robson Silveira da Luz por policiais militares foram, de alguma maneira, determinantes para o surgimento do MNU naquele ano.

Charge Rolezinho

Fonte: http://formacaopoliticaconmnu.blogspot.com.br/

No período recente de nossa democracia, a luta dos negros por direitos resultou em algumas conquistas. Podemos citar como exemplos destas, a criminalização do racismo e do preconceito racial, a lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas redes públicas e particulares da educação e a conquista de cotas raciais como forma de acesso dos negros ao ensino técnico e superior.

Saiba mais:

Para mais informações sobre a FNB (Frente Negra Brasileira), o TEN (Teatro Experimental Negro) e o MNU (Movimento Negro Unificado), acesse os sites:

Conheça os autores:

Edgard Leite de Oliveira é doutorando em Educação – FaE/UFMG.

Francisco Martins é doutorando em Educação – FaE/UFMG, membro do Observatório da Juventude.

Igor Oliveira é doutorando em Educação – FaE/UFMG, membro do Observatório da Juventude.

Referências bibliográficas:

    IBASE. Juventude brasileira e democracia: participação, esferas e políticas públicas. Relatório Global. Rio de janeiro: Ibase, janeiro de 2006.

    FERREIRA, Helder (et. al.). Juventude e políticas de segurança pública no Brasil. In. CASTRO, Jorge Abrahão; AQUINO, Luseni, Maria C. de; ANDRADE, Carla Coelho (orgs.). Juventudes e Políticas Sociais no Brasil. Brasília: IPEA, 2009.

    RIBEIRO, Matilde (org.). Políticas de Igualdade Racial, As Reflexões e Perspectivas. Editora: Fundação Perceu Abramo. Sp/ Sp . 2012.

    WAISELFISZ, Júlio Jacobo. Mapa da Violência 2013: homicídios e juventude no Brasil. Rio de Janeiro: FLACSO, 2013.